Por Bruno Fleming

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Dentro Do Tronco Oco, 2011 (Lambe Lodo Records).

Arte por Bruno Fleming.



Trechos de “Delicadeza de palavras e cordas de nylon e aço”.
Texto por Adélcio de Souza Cruz (Doutor em Literatura Comparada pela UFMG e Músico autodidata):

 "Raras vezes os músicos, aqueles estritos, bem colados nas melodias e notas musicais se aventuram pelo terreno etéreo do poema. O CD Dentro do Tronco Oco (2011) é um destes momentos temperados musicalmente na medida inexata, delineada por cada palavra. A inexatidão deve-se aqui, ao fôlego imposto pelas letras-poemas, por poemas-letras, por letras sob forma de poema, por um poema casado com música precisa e radical, desta feita, quando é necessário fazer com que o estridente som da guitarra sobressaia sem, contudo, eliminar a delicada aspereza da voz.
Inesperado é encontrar as faixas intituladas somente pela ordem em que se apresentam gravadas na mídia digital. Esse procedimento se opera, comumente, em livros a partir de experimentos poéticos considerados de vanguarda. Entretanto, os poemas-letras presentes em Dentro do Tronco Oco não carregam a pendenga de palavras abusivamente incompreensíveis, pois não é esse o intuito ali... "


"Quanto à embalagem do produto, são inevitáveis as associações aos contos de fada, pois temos uma presença paradoxal da zoomorfização de mãos dadas com a personificação. A imagem de corpos humanos e cabeças de cães, gatos(as) e outros elementos da fauna. Já na faixa de número três surgem os versos: "um conto de fadas / um lar dentro do tronco oco". Obviamente virá a recordação dos textos de Lewis carroll e as peripécias de sua Alice. Já a menina dessa aventura dentro do tronco oco não nomeia a si mesma, ainda que, se afirme mais complexa que o mundo à sua volta. Por que menina? O músico Bruno Fleming teve a delicadeza de não modificar o sujeito enunciador presente no texto escrito. Há o ganho em musicalidade, ganha-se em respeito, tão raramente dado ao texto, mesmo após ter migrado do mundo analógico para o digital."


"Não podemos nos esquecer da distribuição espacial das letras-poemas no encarte, sem indicação de correspondência com cada faixa. "V" de vingança contra a catalogação excessiva do mundo à nossa volta e sua sanha de classificar e indicar tudo pelo caminho. O ambiente de "letras" impressas no encarte parece convidar ouvintes-leitores a se tornarem leitores-ouvintes e possibilita um jogo de busca aliado à escuta das faixas sonoras. O outro jogo proposto é o do silêncio: percorrer cada poema-letra como se, às vezes, fazemos aleatoriamente com páginas de livros. "


"Falar de música... vamos passear pelo bosque sonoro no qual Dentro do Tronco Oco se assenta como uma espécie de anti-totem. As melodias são de autoria de Bruno Fleming e fica sob sua responsabilidade a execução de todos os instrumentos, além é claro, da voz. Reitero a precisão com que ele fez os arranjos, respeitando a letra, não se perde nenhuma palavra... Cordas de nylon e aço se alternam, aliadas a recursos eletrônicos econômica e milimetricamente utilizados. Sentimos falta da ficha técnica mais detalhada, pois assim, poderíamos levar ao público não especializado informações mais precisas. Vamos utilizar um empréstimo de Alan Valente: "esse menino põe música até em bula de remédio"... Repito, músicos assim, são raros, pois além de exigir ouvido, há, no mínimo, alguma familiaridade com o mundo da poesia. Mas, ao mesmo tempo, para a nossa felicidade, pode não ser nada disso... é obra de encontros inusitados, "que surpresa, beleza", inundando nossa tarde de sábado nesse dezembro que se esvai por entre nossos dedos aflitos e desavisados... Esperamos que esse texto possa ser o chamariz para outros ouvintes sedentos por sons semi-ásperos aliados à delicadeza... atentem-se que, no entanto, não é música pop aspirando à trilha de TV somente, é diálogo incidental com pop art... pontuado por delicadeza e qualidade."

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